HOLOCAUSTO BRASILEIRO
Autora: Daniela Arbex
Excertos do Prefácio de Eliane Brum ,
"Os loucos somos nós"
O
repórter luta contra o esquecimento. Transforma em palavra o que era silêncio. Faz
memória! Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela
Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa
história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do
século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na
cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio
cometido, sistematicamente, pelo Estado Brasileiro, com a conivência de
médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos
humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da
sociedade. Neste livro, Daniela Arbex devolve nome, história e identidade
àqueles que, até então, eram registrados como "Ignorados de Tal".
(...) As palavras sofrem com a
banalização. Quando abusadas pelo nosso despudor, são roubadas de sentido. Holocausto
é uma palavra assim: em geral, soa como exagero quando aplicada a algo além
do assassinato em massa dos judeus pelos nazistas na Segunda Guerra. Neste
livro, porém, seu uso é preciso. Terrivelmente preciso!
Pelo
menos 60 mil pessoas morreram entre os muros do Colônia. Em sua maioria,
haviam sido enfiadas em vagões de um trem, internadas à força. Cerca de 70% não
tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcóolatras,
homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornava incômoda
para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões,
esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de
fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que
haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33
eram crianças.
Quando
chegavam ao hospício, suas cabeças eram raspadas, suas roupas arrancadas e seus
nomes descartados pelos funcionários, que os rebatizavam. Daniela Arbex devolve
nome, história e identidade aos pacientes, verdadeiros sobreviventes de um
holocausto, como Maria de Jesus, internada porque se sentia triste: ou Antônio
Gomes da Silva, sem diagnóstico, que, dos 34 anos de internação, ficou mudo
durante 21 anos porque ninguém se lembrou de perguntar se ele falava.
Os
pacientes do Colônia às vezes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina,
dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Nas noites geladas da Serra da
Mantiqueira, deixados ao relento, nus ou cobertos apenas por trapos. Pelo menos
30 bebês foram roubados de suas mães. As pacientes conseguiam proteger sua gravidez
passando fezes sobre a barriga para não serem tocadas. Mas, logo depois do
parto, os bebês eram tirados de seus braços e doados.
Alguns
morriam de frio, fome e doença. Morriam também de choque. Às vezes os
eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do
municipío. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Ao
morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes do
manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém
questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu,
os corpos foram decompostos em ácido, no pátio do Colônia, diante dos
pacientes, para que as ossadas pudessem ser comercializadas. Nada se perdia,
exceto a vida.
No início
dos anos 1960, depois de conhecer o Colônia, o fotógrafo Luiz Alfredo, da
revista O Cruzeiro, desabafou com o chefe: "Aquilo é um assassinato
em massa". Em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro da
luta pelo fim dos manicômios que também visitou o Colônia, declarou numa
imprensa coletiva: "Estive hoje num campo de concentação nazista. Em lugar
nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa.".
(As fotos de 1961 são creditadas, no livro, a Luiz Alfredo / Fundação Municipal de Cultura de Barbacena)
"O historiador não deve termer as mesquinharias, pois foi de mesquinharia em mesquinharia, de pequena em pequena coisa, que finalmente grandes coisas se formaram. À solenidade de origem, é ncessário opor, em bom método histórico, a pequenes meticulosa e inconfessável dessas fabricações, dessas invenções. O conhecimento foi, portanto, inventado."
"Esta ideia de aprisionar para corrigir, de conservar a pessoa presa até que se corrija, essa ideia paradoxal, bizarra, sem fundamento ou justificação alguma ao inível do comportamento humano, tem origem precisamente nesta prática" [sobre o conhecimento e as instituições do conhecimento da sociedade disciplinar] MICHEL FOUCAULT, em A Verdade e as Formas Jurídicas.
HOLOCAUSTO BRASILEIRO: GENOCÍDIO NO BRASIL - 60 mil mortos no maior hospício do Brasil.
Ed. Geração.256 p.











