domingo, 31 de julho de 2016

Quando os estudos da História e da Memória nos forçam a conhecer o que preferimos desconhecer ou esquecer




HOLOCAUSTO BRASILEIRO

Autora: Daniela Arbex

Excertos do Prefácio de  Eliane Brum , 
"Os loucos somos nós"

O repórter luta contra o esquecimento. Transforma em palavra o que era silêncio. Faz memória! Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado Brasileiro, com a conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade. Neste livro, Daniela Arbex devolve nome, história e identidade àqueles que, até então, eram registrados como "Ignorados de Tal".

(...) As palavras sofrem com a banalização. Quando abusadas pelo nosso despudor, são roubadas de sentido. Holocausto é uma palavra assim: em geral, soa como exagero quando aplicada a algo além do assassinato em massa dos judeus pelos nazistas na Segunda Guerra. Neste livro, porém, seu uso é preciso. Terrivelmente preciso! 

Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros do Colônia. Em sua maioria, haviam sido enfiadas em vagões de um trem, internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcóolatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornava incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.

Quando chegavam ao hospício, suas cabeças eram raspadas, suas roupas arrancadas e seus nomes descartados pelos funcionários, que os rebatizavam. Daniela Arbex devolve nome, história e identidade aos pacientes, verdadeiros sobreviventes de um holocausto, como Maria de Jesus, internada porque se sentia triste: ou Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que, dos 34 anos de internação, ficou mudo durante 21 anos porque ninguém se lembrou de perguntar se ele falava.

Os pacientes do Colônia às vezes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Nas noites geladas da Serra da Mantiqueira, deixados ao relento, nus ou cobertos apenas por trapos. Pelo menos 30 bebês foram roubados de suas mães. As pacientes conseguiam proteger sua gravidez passando fezes sobre a barriga para não serem tocadas. Mas, logo depois do parto, os bebês eram tirados de seus braços e doados.

Alguns morriam de frio, fome e doença. Morriam também de choque. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do municipío. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse.  Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos foram decompostos em ácido, no pátio do Colônia, diante dos pacientes, para que as ossadas pudessem ser comercializadas. Nada se perdia, exceto a vida.

No início dos anos 1960, depois de conhecer o Colônia, o fotógrafo Luiz Alfredo, da revista O Cruzeiro, desabafou com o chefe: "Aquilo é um assassinato em massa". Em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro da luta pelo fim dos manicômios que também visitou o Colônia, declarou numa imprensa coletiva: "Estive hoje num campo de concentação nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa.".



(As fotos de 1961 são creditadas, no livro, a Luiz Alfredo / Fundação Municipal de Cultura de Barbacena)





"O historiador não deve termer as mesquinharias, pois foi de mesquinharia em mesquinharia, de pequena em pequena coisa, que finalmente grandes coisas se formaram. À solenidade de origem, é ncessário opor, em bom método histórico, a pequenes meticulosa e inconfessável dessas fabricações, dessas invenções. O conhecimento foi, portanto, inventado."
"Esta ideia de aprisionar para corrigir, de conservar a pessoa presa até que se corrija, essa ideia paradoxal, bizarra, sem fundamento ou justificação alguma ao inível do comportamento humano, tem origem precisamente nesta prática"  [sobre o conhecimento e as instituições do conhecimento da sociedade disciplinar] MICHEL FOUCAULT, em A Verdade e as Formas Jurídicas.



HOLOCAUSTO BRASILEIRO: GENOCÍDIO NO BRASIL - 60 mil mortos no maior hospício do Brasil.
Ed. Geração.256 p.
Preço aproximado: R$ 40

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