domingo, 30 de março de 2025

Livro "PSICOLOGIA DE MASSAS DO FASCISMO" - Wilhelm Reich

 



Resenha adaptada por Antonio José Barbosa de Oliveira, com recurso à I.A.


Amor, trabalho e conhecimento são fontes de nossa vida.

Deveriam também governá-la.

W.Reich


"Para W.Reich, o fascismo é a expressão da estrutura irracional do caráter do homem médio, cujas necessidades biológicas e primárias e cujos impulsos são reprimidos há milênios. Neste livro, o autor analisa cuidadosamente a função social dessa opressão e o papel decisivo que a família autoritária e a Igreja desempenham".

Introdução

 

Publicada originalmente em 1933, “Psicologia de Massas do Fascismo” (Massenpsychologie des Faschismus) é uma das obras mais polêmicas e instigantes de Wilhelm Reich (1897-1957), psicanalista e teórico marxista dissidente. O livro busca compreender as bases psicológicas que permitiram a ascensão do fascismo na Europa, especialmente na Alemanha nazista e na Itália de Mussolini, indo além das explicações econômicas tradicionais do marxismo ortodoxo. Reich articula conceitos psicanalíticos freudianos com uma análise materialista histórica, propondo que o fascismo não é apenas um fenômeno político ou econômico, mas também uma expressão patológica da estrutura psíquica das massas sob o capitalismo autoritário. 

 

1. Contexto Histórico e Intelectual de Wilhelm Reich

Wilhelm Reich foi um dos discípulos mais radicais de Sigmund Freud, inicialmente vinculado à psicanálise ortodoxa, mas que posteriormente desenvolveu suas próprias teorias, como a "análise do caráter" e a "economia sexual". Sua trajetória foi marcada por conflitos com a Associação Psicanalítica Internacional e com o Partido Comunista, devido às suas ideias heterodoxas sobre sexualidade e política. 

Nos anos 1920 e 1930, Reich estava profundamente envolvido com o movimento socialista e buscava integrar a psicanálise ao materialismo histórico. No entanto, ele criticava a visão reducionista de muitos marxistas, que ignoravam a dimensão psicológica da dominação de classe. Para Reich, a revolução socialista não poderia triunfar sem uma transformação da estrutura psíquica dos indivíduos, moldada pela repressão sexual e pela família autoritária. 

O surgimento do fascismo na Europa representou um desafio teórico para a esquerda marxista, que não havia previsto o apelo massivo de ideologias reacionárias entre a classe trabalhadora. Reich ofereceu uma explicação inovadora, argumentando que o fascismo explorava impulsos psicológicos reprimidos, canalizando a frustração sexual e a submissão autoritária para um líder carismático. 

 

2. Estrutura e Argumentos Centrais da Obra Psicologia de Massas do Fascismo

Para efeitos desta síntese, consideraremos que o livro está organizado em torno de cinco eixos principais: 

 

2.1. A Psicologia de Massas, a Base Sexual da Repressão e a Estrutura Familiar Autoritária

Reich parte da premissa de que a estrutura familiar burguesa, baseada no patriarcado e na repressão sexual, é o alicerce psicológico do fascismo, funcionando como “microlaboratório” do regime fascista. Ele argumenta que a educação repressiva, especialmente no que diz respeito à sexualidade infantil, gera indivíduos submissos, temerosos da autoridade e propensos a aderir a ideologias irracionais. 

A moralidade sexual repressiva, segundo Reich, cria um "caráter autoritário" que busca compensação em figuras de poder externas, como o Estado ou o líder fascista. Esse mecanismo é essencial para entender por que as massas não se rebelam contra a exploração capitalista, mas sim abraçam movimentos que as oprimem ainda mais.

 

2.2. A Economia Sexual e a Ideologia Fascista

Reich introduz o conceito de "economia sexual" para explicar como a energia libidinal reprimida é desviada para o apoio a ideologias reacionárias e conservadoras, como o fascismo. Ele afirma que a frustração sexual gerada pela moralidade burguesa é transformada em agressividade e ódio político, direcionado contra minorias (judeus, comunistas, homossexuais) em vez de contra a verdadeira fonte de opressão (a classe dominante).  O fascismo, nesse sentido, funciona como uma "revolução sexual às avessas": promete libertação simbólica através da identificação com um líder forte, enquanto mantém intactas as estruturas de repressão. 

 

2.3. O Fascismo como Expressão do Capitalismo Autoritário e crítica ao Marxismo vulgar

Ao contrário de análises marxistas tradicionais que viam o fascismo como um mero instrumento da burguesia, Reich argumenta que ele possui uma base social própria, sustentada pelo pequeno-burguês (o Lumpenproletariat e a classe média baixa). Esses setores, ameaçados pela crise econômica e pela luta de classes, aderem ao fascismo como forma de restaurar uma ordem imaginada, baseada em hierarquias rígidas e pureza moral. 

Reich acusa o marxismo tradicional de ignorar a dimensão subjetiva:  a classe operária não é revolucionária "por natureza"; sua consciência é moldada pela estrutura psíquica. Sem uma “revolução sexual” (liberação dos desejos reprimidos), a mudança econômica não garante emancipação.   Reich também critica o stalinismo por sua repressão sexual e burocratização, apontando que regimes supostamente socialistas podem reproduzir estruturas psicológicas similares às do fascismo. 

 

2.4. O Fascismo como Expressão da Neurose de Massa: propaganda fascista e irracionalidade

O fascismo não é apenas uma estratégia política da burguesia, mas *”um fenômeno psicológico de massa” que explora o “desejo inconsciente de submissão” e a “necessidade de líderes fortes” (projeção da figura paterna).  O Fascismo ainda oferece escapes irracionais (como o ódio racial) para frustrações sociais e sexuais reprimidas. 

O sucesso da propaganda fascista (como a de Hitler) se deve à sua capacidade de “mobilizar emoções profundas”:  uso de símbolos (bandeiras, uniformes) que ativam fantasias inconscientes de ordem e pureza; discurso antissemita: o "judeu" vira um bode expiatório para projetar ódios reprimidos. 

 

2.5. Proposta de Reich: Revolução Sexual e Democracia do Trabalho

Para combater o fascismo, Reich defende: 

a. Liberação sexual: Fim da repressão familiar e educação sexual libertária. 

b. Autogestão econômica: Substituição da família autoritária por comunidades baseadas no trabalho coletivo. 

c. Prevenção: Combate às neuroses geradas pelo capitalismo e pela moral religiosa. 

 

3. Críticas e Controvérsias

 

A obra de Reich foi recebida com hostilidade tanto pela esquerda tradicional (que a considerava "freudiana" demais) quanto pelos psicanalistas ortodoxos (que a viam como "política" demais). Após sua expulsão do Partido Comunista e da Associação Psicanalítica, Reich radicalizou suas teorias, desenvolvendo conceitos pseudocientíficos como a "energia orgônica", o que prejudicou sua reputação acadêmica. 

Além disso, sua ênfase na libertação sexual como solução para o fascismo foi vista por muitos como ingênua, já que regimes fascistas (como o nazismo) também exploraram discursos de liberação controlada (como a propaganda em favor da família ariana). 

 

4. A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE REICH NA OBRA PSICOLOGIA DE MASSAS DO FASCISMO

Apesar de suas limitações, “Psicologia de Massas do Fascismo” permanece relevante para entender: 

- A ascensão da extrema-direita contemporânea: Movimentos como o bolsonarismo e o trumpismo exploram medos sexuais, ódio a minorias e adoração a líderes carismáticos de maneira semelhante ao que Reich descreveu. 

- A repressão sexual e o conservadorismo: A persistência de discursos anti-gênero e anti-feministas mostra como a moralidade sexual ainda é usada para fins políticos. 

- A crise da democracia liberal: Reich ajuda a entender por que as massas podem apoiar regimes autoritários mesmo contra seus próprios interesses materiais. 

 

 

Psicologia de Massas do Fascismo é uma obra fundamental para quem busca compreender as interseções entre psicologia e política. É uma obra pioneira que integra psicanálise e materialismo histórico para explicar a “sedução do autoritarismo”. Embora algumas de suas teses sejam datadas ou excessivamente biologizantes, sua análise da estrutura familiar autoritária e da manipulação das emoções pelas ideologias reacionárias continua a iluminar debates atuais. Reich nos lembra que o fascismo não é apenas uma questão econômica ou ideológica, mas também um fenômeno profundamente enraizado no corpo e no desejo humano.  Seu alerta sobre a “manipulação das frustrações íntimas pela política” permanece relevante em tempos de extremismos. 

 

Wilhem Reich – 1897-1955