Amor, trabalho e
conhecimento são fontes de nossa vida.
Deveriam também
governá-la.
W.Reich
"Para W.Reich, o fascismo é a expressão da estrutura irracional do caráter do homem médio, cujas necessidades biológicas e primárias e cujos impulsos são reprimidos há milênios. Neste livro, o autor analisa cuidadosamente a função social dessa opressão e o papel decisivo que a família autoritária e a Igreja desempenham".
Introdução
Publicada originalmente em 1933, “Psicologia de Massas do Fascismo” (Massenpsychologie des Faschismus)
é uma das obras mais polêmicas e instigantes de Wilhelm Reich (1897-1957),
psicanalista e teórico marxista dissidente. O livro busca compreender as bases
psicológicas que permitiram a ascensão do fascismo na Europa, especialmente na
Alemanha nazista e na Itália de Mussolini, indo além das explicações econômicas
tradicionais do marxismo ortodoxo. Reich articula conceitos psicanalíticos
freudianos com uma análise materialista histórica, propondo que o fascismo não
é apenas um fenômeno político ou econômico, mas também uma expressão patológica
da estrutura psíquica das massas sob o capitalismo autoritário.
1. Contexto Histórico e Intelectual de Wilhelm
Reich
Wilhelm Reich foi um dos discípulos mais radicais de Sigmund
Freud, inicialmente vinculado à psicanálise ortodoxa, mas que posteriormente
desenvolveu suas próprias teorias, como a "análise do caráter" e a
"economia sexual". Sua trajetória foi marcada por conflitos com a
Associação Psicanalítica Internacional e com o Partido Comunista, devido às
suas ideias heterodoxas sobre sexualidade e política.
Nos anos 1920 e 1930, Reich estava profundamente envolvido
com o movimento socialista e buscava integrar a psicanálise ao materialismo
histórico. No entanto, ele criticava a visão reducionista de muitos marxistas,
que ignoravam a dimensão psicológica da dominação de classe. Para Reich, a
revolução socialista não poderia triunfar sem uma transformação da estrutura
psíquica dos indivíduos, moldada pela repressão sexual e pela família
autoritária.
O surgimento do fascismo na Europa representou um desafio
teórico para a esquerda marxista, que não havia previsto o apelo massivo de
ideologias reacionárias entre a classe trabalhadora. Reich ofereceu uma
explicação inovadora, argumentando que o fascismo explorava impulsos
psicológicos reprimidos, canalizando a frustração sexual e a submissão
autoritária para um líder carismático.
2. Estrutura e Argumentos Centrais da Obra Psicologia
de Massas do Fascismo
Para efeitos desta síntese, consideraremos que o livro está organizado em torno de cinco eixos
principais:
2.1. A Psicologia de Massas, a Base Sexual da
Repressão e a Estrutura Familiar Autoritária
Reich parte da premissa de que a estrutura familiar burguesa,
baseada no patriarcado e na repressão sexual, é o alicerce psicológico do
fascismo, funcionando como “microlaboratório” do regime fascista. Ele argumenta
que a educação repressiva, especialmente no que diz respeito à sexualidade
infantil, gera indivíduos submissos, temerosos da autoridade e propensos a
aderir a ideologias irracionais.
A moralidade sexual repressiva, segundo Reich, cria um
"caráter autoritário" que busca compensação em figuras de poder
externas, como o Estado ou o líder fascista. Esse mecanismo é essencial para
entender por que as massas não se rebelam contra a exploração capitalista, mas
sim abraçam movimentos que as oprimem ainda mais.
2.2. A Economia Sexual e a Ideologia Fascista
Reich introduz o conceito de "economia sexual" para explicar como a energia libidinal
reprimida é desviada para o apoio a ideologias reacionárias e conservadoras,
como o fascismo. Ele afirma que a frustração sexual gerada pela moralidade
burguesa é transformada em agressividade e ódio político, direcionado contra
minorias (judeus, comunistas, homossexuais) em vez de contra a verdadeira fonte
de opressão (a classe dominante). O fascismo,
nesse sentido, funciona como uma "revolução sexual às avessas":
promete libertação simbólica através da identificação com um líder forte,
enquanto mantém intactas as estruturas de repressão.
2.3. O Fascismo como Expressão do Capitalismo
Autoritário e crítica ao Marxismo vulgar
Ao contrário de análises marxistas tradicionais que viam o
fascismo como um mero instrumento da burguesia, Reich argumenta que ele possui
uma base social própria, sustentada pelo pequeno-burguês (o Lumpenproletariat e
a classe média baixa). Esses setores, ameaçados pela crise econômica e pela
luta de classes, aderem ao fascismo como forma de restaurar uma ordem
imaginada, baseada em hierarquias rígidas e pureza moral.
Reich acusa o marxismo tradicional de ignorar a dimensão
subjetiva: a classe operária não é
revolucionária "por natureza"; sua consciência é moldada pela
estrutura psíquica. Sem uma “revolução sexual” (liberação dos desejos
reprimidos), a mudança econômica não garante emancipação. Reich também critica o stalinismo por sua
repressão sexual e burocratização, apontando que regimes supostamente
socialistas podem reproduzir estruturas psicológicas similares às do
fascismo.
2.4. O Fascismo como Expressão da Neurose de
Massa: propaganda fascista e irracionalidade
O fascismo não é apenas uma estratégia política da burguesia,
mas *”um fenômeno psicológico de massa” que explora o “desejo inconsciente de
submissão” e a “necessidade de líderes fortes” (projeção da figura
paterna). O Fascismo ainda oferece
escapes irracionais (como o ódio racial) para frustrações sociais e sexuais
reprimidas.
O sucesso da propaganda fascista (como a de Hitler) se deve à
sua capacidade de “mobilizar emoções profundas”: uso de símbolos (bandeiras, uniformes) que
ativam fantasias inconscientes de ordem e pureza; discurso antissemita: o
"judeu" vira um bode expiatório para projetar ódios reprimidos.
2.5. Proposta de Reich: Revolução Sexual e
Democracia do Trabalho
Para combater o fascismo, Reich defende:
a. Liberação sexual: Fim da repressão familiar e educação
sexual libertária.
b. Autogestão econômica: Substituição da família autoritária
por comunidades baseadas no trabalho coletivo.
c. Prevenção: Combate às neuroses geradas pelo capitalismo e
pela moral religiosa.
3.
Críticas e Controvérsias
A obra de Reich foi recebida com hostilidade tanto pela
esquerda tradicional (que a considerava "freudiana" demais) quanto
pelos psicanalistas ortodoxos (que a viam como "política" demais).
Após sua expulsão do Partido Comunista e da Associação Psicanalítica, Reich
radicalizou suas teorias, desenvolvendo conceitos pseudocientíficos como a
"energia orgônica", o que prejudicou sua reputação acadêmica.
Além disso, sua ênfase na libertação sexual como solução para
o fascismo foi vista por muitos como ingênua, já que regimes fascistas (como o
nazismo) também exploraram discursos de liberação controlada (como a propaganda
em favor da família ariana).
4. A ATUALIDADE DO
PENSAMENTO DE REICH NA OBRA PSICOLOGIA DE MASSAS DO FASCISMO
Apesar de suas limitações, “Psicologia de Massas do Fascismo”
permanece relevante para entender:
- A ascensão da
extrema-direita contemporânea: Movimentos como o bolsonarismo e o trumpismo
exploram medos sexuais, ódio a minorias e adoração a líderes carismáticos de
maneira semelhante ao que Reich descreveu.
- A repressão sexual e
o conservadorismo: A persistência de discursos anti-gênero e
anti-feministas mostra como a moralidade sexual ainda é usada para fins
políticos.
- A crise da
democracia liberal: Reich ajuda a entender por que as massas podem apoiar
regimes autoritários mesmo contra seus próprios interesses materiais.
Psicologia de Massas do
Fascismo é uma obra
fundamental para quem busca compreender as interseções entre psicologia e
política. É uma obra pioneira que integra psicanálise e materialismo histórico
para explicar a “sedução do autoritarismo”. Embora algumas de suas teses sejam
datadas ou excessivamente biologizantes, sua análise da estrutura familiar
autoritária e da manipulação das emoções pelas ideologias reacionárias continua
a iluminar debates atuais. Reich nos lembra que o fascismo não é apenas uma
questão econômica ou ideológica, mas também um fenômeno profundamente enraizado
no corpo e no desejo humano. Seu
alerta sobre a “manipulação das frustrações íntimas pela política” permanece
relevante em tempos de extremismos.
Wilhem Reich – 1897-1955


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