domingo, 30 de março de 2025

Livro "PSICOLOGIA DE MASSAS DO FASCISMO" - Wilhelm Reich

 



Resenha adaptada por Antonio José Barbosa de Oliveira, com recurso à I.A.


Amor, trabalho e conhecimento são fontes de nossa vida.

Deveriam também governá-la.

W.Reich


"Para W.Reich, o fascismo é a expressão da estrutura irracional do caráter do homem médio, cujas necessidades biológicas e primárias e cujos impulsos são reprimidos há milênios. Neste livro, o autor analisa cuidadosamente a função social dessa opressão e o papel decisivo que a família autoritária e a Igreja desempenham".

Introdução

 

Publicada originalmente em 1933, “Psicologia de Massas do Fascismo” (Massenpsychologie des Faschismus) é uma das obras mais polêmicas e instigantes de Wilhelm Reich (1897-1957), psicanalista e teórico marxista dissidente. O livro busca compreender as bases psicológicas que permitiram a ascensão do fascismo na Europa, especialmente na Alemanha nazista e na Itália de Mussolini, indo além das explicações econômicas tradicionais do marxismo ortodoxo. Reich articula conceitos psicanalíticos freudianos com uma análise materialista histórica, propondo que o fascismo não é apenas um fenômeno político ou econômico, mas também uma expressão patológica da estrutura psíquica das massas sob o capitalismo autoritário. 

 

1. Contexto Histórico e Intelectual de Wilhelm Reich

Wilhelm Reich foi um dos discípulos mais radicais de Sigmund Freud, inicialmente vinculado à psicanálise ortodoxa, mas que posteriormente desenvolveu suas próprias teorias, como a "análise do caráter" e a "economia sexual". Sua trajetória foi marcada por conflitos com a Associação Psicanalítica Internacional e com o Partido Comunista, devido às suas ideias heterodoxas sobre sexualidade e política. 

Nos anos 1920 e 1930, Reich estava profundamente envolvido com o movimento socialista e buscava integrar a psicanálise ao materialismo histórico. No entanto, ele criticava a visão reducionista de muitos marxistas, que ignoravam a dimensão psicológica da dominação de classe. Para Reich, a revolução socialista não poderia triunfar sem uma transformação da estrutura psíquica dos indivíduos, moldada pela repressão sexual e pela família autoritária. 

O surgimento do fascismo na Europa representou um desafio teórico para a esquerda marxista, que não havia previsto o apelo massivo de ideologias reacionárias entre a classe trabalhadora. Reich ofereceu uma explicação inovadora, argumentando que o fascismo explorava impulsos psicológicos reprimidos, canalizando a frustração sexual e a submissão autoritária para um líder carismático. 

 

2. Estrutura e Argumentos Centrais da Obra Psicologia de Massas do Fascismo

Para efeitos desta síntese, consideraremos que o livro está organizado em torno de cinco eixos principais: 

 

2.1. A Psicologia de Massas, a Base Sexual da Repressão e a Estrutura Familiar Autoritária

Reich parte da premissa de que a estrutura familiar burguesa, baseada no patriarcado e na repressão sexual, é o alicerce psicológico do fascismo, funcionando como “microlaboratório” do regime fascista. Ele argumenta que a educação repressiva, especialmente no que diz respeito à sexualidade infantil, gera indivíduos submissos, temerosos da autoridade e propensos a aderir a ideologias irracionais. 

A moralidade sexual repressiva, segundo Reich, cria um "caráter autoritário" que busca compensação em figuras de poder externas, como o Estado ou o líder fascista. Esse mecanismo é essencial para entender por que as massas não se rebelam contra a exploração capitalista, mas sim abraçam movimentos que as oprimem ainda mais.

 

2.2. A Economia Sexual e a Ideologia Fascista

Reich introduz o conceito de "economia sexual" para explicar como a energia libidinal reprimida é desviada para o apoio a ideologias reacionárias e conservadoras, como o fascismo. Ele afirma que a frustração sexual gerada pela moralidade burguesa é transformada em agressividade e ódio político, direcionado contra minorias (judeus, comunistas, homossexuais) em vez de contra a verdadeira fonte de opressão (a classe dominante).  O fascismo, nesse sentido, funciona como uma "revolução sexual às avessas": promete libertação simbólica através da identificação com um líder forte, enquanto mantém intactas as estruturas de repressão. 

 

2.3. O Fascismo como Expressão do Capitalismo Autoritário e crítica ao Marxismo vulgar

Ao contrário de análises marxistas tradicionais que viam o fascismo como um mero instrumento da burguesia, Reich argumenta que ele possui uma base social própria, sustentada pelo pequeno-burguês (o Lumpenproletariat e a classe média baixa). Esses setores, ameaçados pela crise econômica e pela luta de classes, aderem ao fascismo como forma de restaurar uma ordem imaginada, baseada em hierarquias rígidas e pureza moral. 

Reich acusa o marxismo tradicional de ignorar a dimensão subjetiva:  a classe operária não é revolucionária "por natureza"; sua consciência é moldada pela estrutura psíquica. Sem uma “revolução sexual” (liberação dos desejos reprimidos), a mudança econômica não garante emancipação.   Reich também critica o stalinismo por sua repressão sexual e burocratização, apontando que regimes supostamente socialistas podem reproduzir estruturas psicológicas similares às do fascismo. 

 

2.4. O Fascismo como Expressão da Neurose de Massa: propaganda fascista e irracionalidade

O fascismo não é apenas uma estratégia política da burguesia, mas *”um fenômeno psicológico de massa” que explora o “desejo inconsciente de submissão” e a “necessidade de líderes fortes” (projeção da figura paterna).  O Fascismo ainda oferece escapes irracionais (como o ódio racial) para frustrações sociais e sexuais reprimidas. 

O sucesso da propaganda fascista (como a de Hitler) se deve à sua capacidade de “mobilizar emoções profundas”:  uso de símbolos (bandeiras, uniformes) que ativam fantasias inconscientes de ordem e pureza; discurso antissemita: o "judeu" vira um bode expiatório para projetar ódios reprimidos. 

 

2.5. Proposta de Reich: Revolução Sexual e Democracia do Trabalho

Para combater o fascismo, Reich defende: 

a. Liberação sexual: Fim da repressão familiar e educação sexual libertária. 

b. Autogestão econômica: Substituição da família autoritária por comunidades baseadas no trabalho coletivo. 

c. Prevenção: Combate às neuroses geradas pelo capitalismo e pela moral religiosa. 

 

3. Críticas e Controvérsias

 

A obra de Reich foi recebida com hostilidade tanto pela esquerda tradicional (que a considerava "freudiana" demais) quanto pelos psicanalistas ortodoxos (que a viam como "política" demais). Após sua expulsão do Partido Comunista e da Associação Psicanalítica, Reich radicalizou suas teorias, desenvolvendo conceitos pseudocientíficos como a "energia orgônica", o que prejudicou sua reputação acadêmica. 

Além disso, sua ênfase na libertação sexual como solução para o fascismo foi vista por muitos como ingênua, já que regimes fascistas (como o nazismo) também exploraram discursos de liberação controlada (como a propaganda em favor da família ariana). 

 

4. A ATUALIDADE DO PENSAMENTO DE REICH NA OBRA PSICOLOGIA DE MASSAS DO FASCISMO

Apesar de suas limitações, “Psicologia de Massas do Fascismo” permanece relevante para entender: 

- A ascensão da extrema-direita contemporânea: Movimentos como o bolsonarismo e o trumpismo exploram medos sexuais, ódio a minorias e adoração a líderes carismáticos de maneira semelhante ao que Reich descreveu. 

- A repressão sexual e o conservadorismo: A persistência de discursos anti-gênero e anti-feministas mostra como a moralidade sexual ainda é usada para fins políticos. 

- A crise da democracia liberal: Reich ajuda a entender por que as massas podem apoiar regimes autoritários mesmo contra seus próprios interesses materiais. 

 

 

Psicologia de Massas do Fascismo é uma obra fundamental para quem busca compreender as interseções entre psicologia e política. É uma obra pioneira que integra psicanálise e materialismo histórico para explicar a “sedução do autoritarismo”. Embora algumas de suas teses sejam datadas ou excessivamente biologizantes, sua análise da estrutura familiar autoritária e da manipulação das emoções pelas ideologias reacionárias continua a iluminar debates atuais. Reich nos lembra que o fascismo não é apenas uma questão econômica ou ideológica, mas também um fenômeno profundamente enraizado no corpo e no desejo humano.  Seu alerta sobre a “manipulação das frustrações íntimas pela política” permanece relevante em tempos de extremismos. 

 

Wilhem Reich – 1897-1955






sábado, 18 de fevereiro de 2017

CULTURA REPRESENTAÇÃO - Stuart Hall


Fragmentos da apresentação de Arthur Ituassu , prof.do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio

(...) Hall tomou seu lugar na tradição dos estudos que analisam os efeitos da mídia nas sociedades e constitui o que chamou de politics of the image, uma "política da imagem", os questionamentos e as disputas sobre o que a imagem representa. Afinal, um dos efeitos claros dos aparatos midiáticos é constituir um espaço autônomo (em boa parte imagético) de visibilidade pública (Gomes, 2004), onde políticos, atores, jogadores, celebridades e até mesmo instituições ascendem e descendem, nascem e morrem, muitas vezes de maneira bastante veloz.

Nesse contexto, Stuart Hall procurou entender o papel da mídia nas sociedades, posicionando os estudos culturais como uma epistemologia não positivista para os  media effects e tendo a "representação" como seu conceito central. Uma noção de "representação", no entanto, que se afasta da visão comum (metafísica) de "reflexo", "verdade por correspondência", que informa a ciência moderna como "comprovação positiva da verdade" ou "positivismo" (Oliva, 2011), e se aproxima de uma perspectiva mais ativa e constitutiva sobre o ato representativo, nos processos de construção da realidade. 
(...)
Como um  construtivista, Stuart Hall viu o "real" como uma "construção social", amplamente marcada pela mídia e suas imagens nas sociedades contemporâneas. Como um teórico mais crítico, procurou, por meio de Foucault, entender como o poder se insere, se coloca ou que papel exerce nesse processo. Inserido em uma longa linha de estudos que passa por Durkheim, Saussure, Barthes, Foucault e Derrida, Hall apresenta uma noção de representação como um ato criativo, que se refere ao que as pessoas pensam sobre o mundo, sobre o que "são" nesse mundo e que mundo é esse, sobre a qual as pessoas estão se referindo, transformando essas "representações" em objeto de análise crítica e científica do "real".

(...)
Stuart Hall sugere o "interrogatório da imagem", um exame, um questionamento da e à imagem, sobre os valores contidos na imagem e além dela.  A perspectiva parte do pressuposto de que vivemos hoje imersos no mundo das imagens, as fish in the water - tomando emprestada a frase de Marshall McLuhan (1971). Kantianamente, os estudos culturais de Stuart Hall procuravam sair da água e olhar o mundo do alto, para examinar o conteúdo das águas.

(...)
Stuart Hall foi um acadêmico negro, vindo da Jamaica, que analisou criticamente a representação do negro nas imagens do capitalismo e do imperialismo britânico. Nesse contexto, não há dúvidas de que a questão da "emancipação", bastante cara à perspectiva crítica, ganha a devida importância.


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Fragmento da INTRODUÇÃO:

"(...) Mas o que a representação tem a ver com "cultura"? Que conexão existe entre "representação" e "cultura"? Colocando em termos simples, cultura diz respeito a "significados compartilhados". Ora, a linguagem nada mais é do que o meio privilegiado pelo qual "damos sentido" às coisas, onde o significado é produzido e intercambiado. Significados só podem ser compartilhados pelo acesso comum à linguagem. Assim, esta se torna fundamental para os sentidos e para a cultura e vem sendo invariavelmente considerada o repositório-chave de valores e significados culturais. (...) Mas como a linguagem constrói significados? Como sustenta o diálogo entre participantes de modo a permitir que eles construam uma cultura de significados compartilhados e interpretem o mundo de maneira semelhante? 
(...) A linguagem é capaz de fazer isso porque ela opera como uma sistema representacional. Na linguagem, fazemos uso de signos e símbolos - sejam eles sonoros, escritos, imagens eletrônicas, notas musicais e até objetos - para significar ou representar para outros indivíduos nossos conceitos, ideias e sentimentos. A linguagem é um dos "meios" através do qual pensamentos, ideias e sentimentos são representados numa cultura. A representação pela linguagem é, portanto, essencial aos processos pelos quais os significados são produzidos - e é esta a ideia primordial e sbjacente que sustenta este livro. (...)

SUMÁRIO 

Capítulo I - O PAPEL DA REPRESENTAÇÃO

1 - Representação, sentido e linguagem
2 - O legado de Saussure
3 - Da linguagem à cultura: da linguística à semiótica
4 - Discurso, poder e o sujeito 
5 - Onde está o sujeito?
6 - Conclusão: representação, sentido e linguagem reconsiderados

Capítulo II - O ESPETÁCULO DO "OUTRO"

1 - Introdução
2 - Racializando o "Outro"
3 - A encenação da "diferença" racial: "e a melodia demorou-se..."
4 - A estereotipagem como prática de produção de significados
5 - Contestação de um regime racializado de representação
6 - Conclusão

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Editora APICURI / PUC-Rio - 2016 
260 páginas
Preço aproximado: R$ 39,00






sábado, 14 de janeiro de 2017

História da escrita, do papel, da gravura e da imprensa - Quatro pequenas histórias que mudaram o mundo


Este livro traz uma nova abordagem sobre histórias cujos fragmentos se encontram dispersos em muitos lugares. Ao seguir os passos do grande naturalista Charles Darwin, cuja teoria da evolução introduziu o conceito de que os seres vivos, mas também os conhecimentos e as ideias, evoluem, o autor concebeu uma obra que integra as histórias da escrita, do papel, da gravura e da imprensa em uma mesma jornada evolutiva, cujo ponto de fusão definitivo é a prensa de Gutemberg, inventada na Alemanha, em 1455.

Partindo da Mesopotâmia por volta do ano 3.300 a.C., o livro percorre os caminhos tortuosos dessa maravilhosa viagem que nos leva ao Egito dos faraós; à Pérsia de Dario; à Fenícia dos navegadores comerciantes que criaram o alfabeto; até à distante China das dinastias imperiais, onde Marco Polo conheceu o papel criado pelos chineses, que percorreu a Rota da Seda, chegou ao mundo árabe e de lá foi levado à Espanha pelos mouros, entrando em uma Europa, que deixava a Idade Média e ingressava no Renascimento. É neste cenário que Johannes Gutenberg investiu tudo o que tinha, e durante mais de vinte anos trabalhou e pesquisou arduamente para consolidar a impressão com tipos móveis metálicos.

Estas 4 pesquenas histórias - escrita, papel, gravura e imprensa -, nos contam a saga da civilização e o esforço empreendido para tornar a sociedade mais rica em conhecimentos e em valores humanos, pois este livro é também um tributo aos homens que escreveram a história. Foram eles que escreveram as regras do mundo em que vivemos, os contos que nos encantaram quando crianças e todos os livros que lemos e os que ainda vamos ler!

A intenção e o gesto da escrita

A maior parte do que sabemos sobre a história da humanidade e o conhecimento humano chegou até nós porque foi escrito e impresso. Escrever para preservar a memória do esquecimento, para gravar e multiplicar a informação são atividades criadas pelo homem para promover o conhecimento.

Desde os primórdios, os registros feitos em pedras por nossos primitivos ancestrais até hoje, em que as formas mais atuais de registro, se esforçam por superar a mais fértil imaginação, a intenção do homem com suas mensagens gravadas era uma só: permitir que o conteúdo da mensagem alcance e seja compreendido por outro homem. Portanto guardam entre si fortes semelhanças, já que a intenção que as motivou foi a mesma.

Foi assim, deixando marcas e imagens pelo caminho, que o homem chegou à escrita e esta, por sua vez, ao permitir que ele perenizasse mensagens inteligíveis, separou definitivamente a Pré-história da História. Desde então, o homem nunca mais parou de aperfeiçoar suas formas de comunicação escrita e os meios de produzi-la, guardá-la e multiplicá-la.

Este livro narra de forma concisa e bastante singela a jornada da escrita, seu encontro com o papel, o encontro dos dois com a gravura e, por fim, sua completa fusão com a imprensa feita na gráfica de Gutemberg. Juntas, suas quatro histórias mudaram o mundo!


Sumário

- Cronologia básica das 4 pequenas histórias
- Prefácio e Apresentação
- 4 Pequenas histórias que juntas mudaram o mundo
- Introdução
- Pequena história da Escrita
- A intenção e o gesto
- Decifrando a história da história
- A primeira das profissões de caráter intelectual
- Com o alfabeto, a escrita fonética passa a reproduzir a voz humana
- A escrita de um outro mundo
- Pequena história do papel
- Pequena história da gravura
- Pequena história da imprensa
- A contribuição de Gutemberg na fusão das 4 pequenas histórias
- Queima de livros e Genocídio Cultural
- Livros veneráveis e Livros memoráveis
- Epílogo: Com a escrita, a civilização dá o primeiro passo de sua longa caminhada


História da Escrita, do Papel, da Gravura e da Imprensa: 4 Pequenas histórias que juntas mudaram o mundo.
Autor: FABIO MESTRINER
Editora M.Books do Brasil
Preço aproximado: R$ 79






domingo, 31 de julho de 2016

Quando os estudos da História e da Memória nos forçam a conhecer o que preferimos desconhecer ou esquecer




HOLOCAUSTO BRASILEIRO

Autora: Daniela Arbex

Excertos do Prefácio de  Eliane Brum , 
"Os loucos somos nós"

O repórter luta contra o esquecimento. Transforma em palavra o que era silêncio. Faz memória! Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado Brasileiro, com a conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade. Neste livro, Daniela Arbex devolve nome, história e identidade àqueles que, até então, eram registrados como "Ignorados de Tal".

(...) As palavras sofrem com a banalização. Quando abusadas pelo nosso despudor, são roubadas de sentido. Holocausto é uma palavra assim: em geral, soa como exagero quando aplicada a algo além do assassinato em massa dos judeus pelos nazistas na Segunda Guerra. Neste livro, porém, seu uso é preciso. Terrivelmente preciso! 

Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros do Colônia. Em sua maioria, haviam sido enfiadas em vagões de um trem, internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcóolatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornava incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.

Quando chegavam ao hospício, suas cabeças eram raspadas, suas roupas arrancadas e seus nomes descartados pelos funcionários, que os rebatizavam. Daniela Arbex devolve nome, história e identidade aos pacientes, verdadeiros sobreviventes de um holocausto, como Maria de Jesus, internada porque se sentia triste: ou Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que, dos 34 anos de internação, ficou mudo durante 21 anos porque ninguém se lembrou de perguntar se ele falava.

Os pacientes do Colônia às vezes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Nas noites geladas da Serra da Mantiqueira, deixados ao relento, nus ou cobertos apenas por trapos. Pelo menos 30 bebês foram roubados de suas mães. As pacientes conseguiam proteger sua gravidez passando fezes sobre a barriga para não serem tocadas. Mas, logo depois do parto, os bebês eram tirados de seus braços e doados.

Alguns morriam de frio, fome e doença. Morriam também de choque. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do municipío. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse.  Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos foram decompostos em ácido, no pátio do Colônia, diante dos pacientes, para que as ossadas pudessem ser comercializadas. Nada se perdia, exceto a vida.

No início dos anos 1960, depois de conhecer o Colônia, o fotógrafo Luiz Alfredo, da revista O Cruzeiro, desabafou com o chefe: "Aquilo é um assassinato em massa". Em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, pioneiro da luta pelo fim dos manicômios que também visitou o Colônia, declarou numa imprensa coletiva: "Estive hoje num campo de concentação nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa.".



(As fotos de 1961 são creditadas, no livro, a Luiz Alfredo / Fundação Municipal de Cultura de Barbacena)





"O historiador não deve termer as mesquinharias, pois foi de mesquinharia em mesquinharia, de pequena em pequena coisa, que finalmente grandes coisas se formaram. À solenidade de origem, é ncessário opor, em bom método histórico, a pequenes meticulosa e inconfessável dessas fabricações, dessas invenções. O conhecimento foi, portanto, inventado."
"Esta ideia de aprisionar para corrigir, de conservar a pessoa presa até que se corrija, essa ideia paradoxal, bizarra, sem fundamento ou justificação alguma ao inível do comportamento humano, tem origem precisamente nesta prática"  [sobre o conhecimento e as instituições do conhecimento da sociedade disciplinar] MICHEL FOUCAULT, em A Verdade e as Formas Jurídicas.



HOLOCAUSTO BRASILEIRO: GENOCÍDIO NO BRASIL - 60 mil mortos no maior hospício do Brasil.
Ed. Geração.256 p.
Preço aproximado: R$ 40

ASSISTA AO VIDEO DO DOCUMENTÁRIO NO YOUTUBE, CLICANDO AQUI


sexta-feira, 1 de julho de 2016

(Novo livro de cabeceira) TEORIA DAS MÍDIAS DIGITAIS



"As mídias digitais são parte integrante da vida contemporânea. Estão presentes nos espaços mais inesperados, articulando-se com a política, a economia, a cultura e, de maneira geral, com as relações cotidianas. Em suas variadas formas, dos telefones celulares às telas digitais espalhadas por inúmeros lugares, as mídias digitais são parte de nossa cultura, parte do ambiente no qual estamos mergulhados. O mundo da tecnologia, de bits e bytes se convertendo em pixels das telas eletrônicas, só ganha sentido quando se torna parte da vida humana. Os bits, bytes e pixels se transformam em aventuras nos jogos digitais, textos, filmes produzidos por fãs, mensagens e conexões entre pessoas. Mas também não faltam questões nesse ambiente - as diferenças sociais, a desigualdade no acesso, as relações entre informação e conhecimento e várias outras dúvidas se entrelaçam."

"Teoria das Mídias Digitais apresenta alguns caminhos para pensar o ambiente das relações humanas criado pelas conexões digitais. Seu objetivo é mostrar ideias, das mais otimistas às mais críticas, em um panorama no qual os detalhes desaparecem, mas indicam as trilhas para outras explorações."

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Algumas palavras do autor....

"Este não é um livro sobre tecnologias, máquinas ou aplicativos. É sobre as relações entre seres humanos conectados por mídias digitais, em um processo responsável por alterar o que se entende por política, arte, economia, cultura. E também a maneira como o ser humano entende a si mesmo, seus relacionamentos, problemas e limitações. As mídias digitais, e o ambiente criado a partir de suas conexões, estão articulados com a vida humana - no que ela tem de mais sublime e mais complexo.

É quase um exercício de imaginação pensar o cotidiano sem a presença das mídias digitais. Das atividades mais simples, como marcar um jantar com amigos, aos complexos meandros da política internacional, boa parte da vida humana está ligada às relações articuladas com mídias digitais. Elas estão ali, trocando uma quantidade quase infinita de dados a todo instante, e em geral é só quando falham que voltamos a percebê-las.

(...) As mídias digitais permitiram inúmeras formas de relacionamentos humanos, mas é possível questionar até que ponto essa interferência não foi negativa; a expansão do número de usuários não tem precedentes, mas a 'barreira digital' entre conectados e desconectados continua; a 'exclusão digital' é um problema de origens e consequências econômicas, políticas e sociais, embora formas de integração das mais variadas procurem diminuir esse impacto.

Pensar as mídias digitais exige um trabalho constante de autoanálise para evitar a tentação do 'ano zero', no sentido de pensar que tudo mudou, assim como a perspectiva de que tudo continua igual, apenas em outro ambiente. Seres humanos continuam sendo seres humanos, em toda sua paradoxal complexidade, mas conectados de uma maneira diferente a partir das mídias digitais. Até onde se pode ir, elas não são melhores ou piores do que os indivíduos, comunidades e sociedades que as criaram e usam."

(...) "O objetivo do livro é apresentar algumas das principais teorias das mídias digitais, resultado do trabalho de pesquisadores que, desde meados do século XX, começaram a construir as ideias, conceitos e pontos de vista que resultariam no estudo das mídias digitais."

Teoria das Mídias Digitais
Autor: Luís Mauro Sá Martino
Editora Vozes - 2015
290 páginas
Preço Aproximado: R$ 70.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

UMA HISTÓRIA (apaixonante) DA LEITURA


Alguns livros nos pegam como laço e tornam-se senhores de nossa curiosidade. Se o que acabei de ler tanto me agradou, o que será que o autor ainda me reserva? Pra descobrir a resposta, não há outra saída: após uma breve parada, continuar a leitura, a despeito das horas que passam!



Conta-nos Alberto Manguel que "Leitor voraz e ciumento, um grão-vizir da Pérsia carregava sua biblioteca quando viajava, acomodando-a em quatrocentos camelos treinados para andar em ordem alfabética. Em 1536, a Lista de preços das prostitutas de Veneza, anunciava uma profissional que se dizia amante da poesia e tinha sempre à mão um livrete de Petrarca, Virgílio ou Homero. Na segunda metade do século XIX, em Cuba, os operários de algumas fábricas de charuto pagavam um lector, um leitor que se sentava junto às bancadas de trabalho elia alto enquanto eles manuseavam o fumo. Lia, por exemplo, romances didáticos, compêndios históricos e manuais de economia política. A ditatura de Pinochet baniu Dom Quixote, identificando ali apelos à liberdade individual e ataques à autoridade instituída.
A leitura é a mais civilizada das paixões. Mesmo quando registra atos de barbarismo, sua história é uma celebração da alegria e da liberdade.".

(...)

Apresentação da Editora

"De certa forma, todo livro escolhe seu leitor, mas Uma história da leitura parece ter um modo muito particular de exercer essa escolha: talvez com uma ou outra exceção, todos os que se dispõem a lê-lo integram a comunidade anônima de pessoas que gostam de ler. Por isso, cada uma delas encontra aqui certos fragmentos de sua própria existência: o encantamento com o aprendizado da leitura, a leitura compulsiva de tudo (livrinhos de escola, cartazes de rua, rótulos de remédio), o prazer solitário de ser amigo do peito de Sinbad, o Marujo, de acompanhar a multiplicação dos significados de uma palavra, de descobrir o final da história. Como um volume da biblioteca impossível de Borges, o livro de Alberto Manguel contém um pouco da autobiografia de cada um dos seus leitores.

E, sem dúvida, também do autor, cuja erudição ao falar de séculos e séculos de história é primeiro filtrada por uma vivência pessoal intensa. A clareza do texto de Alberto Manguel parece refletir uma generosidade, uma vontade de compartilhar informações, perspectivas e modos de sentir o ato de ler. 

"Ler para viver", Flaubert escreveu, ou, na visão de Kafka, "Ler para fazer perguntas". Das plaquinhas de argila da Suméria aos nossos cibertextos, sabemos que a história registra não só uma infinidade de motivações para leitura, mas também a sua proibição, como se fosse da natureza da palavra escrita penetrar a intimidade do leitor e fazê-lo agir, fazê-lo mover-se para lugares que só ele é capaz de escolher. O ato de ler pressupõe e, simultaneamente, cria uma liberdade.

Alberto Manguel é primeiro um leitor, e, nesta condição, se escolheu narrar as conformações da leitura ao longo do tempo, é porque está ciente de quantos tentáculos uma boa história pode ter.".




"E, contudo, em cada caso é o leitor que lê o sentido; é o leitor que confere a um objeto, lugar ou acontecimento uma certa legibilidade possível, ou que a reconhece neles; é o leitor que deve atribuir significado a um sistema de signos e depois decifrá-lo. Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial.".


SUMÁRIO


A ÚLTIMA PÁGINA

ATOS DE LEITURA
Leitura das sombras
Os leitores silenciosos
O livro da memória
O aprendizado da leitura
A primeira página ausente
Leitura de imagens
A leitura ouvida
A forma do livro
Leitura na intimidade

OS PODERES DO LEITOR
Primórdios
Ordenadores do universo
Leitura do futuro
O leitor simbólico
Leitura intramuros
Roubo de livros
O autor como leitor
O tradutor como leitor
Leituras proibidas
O louco dos livros

PÁGINAS DE GUARDA


Editora Cia. das Letras - 404 páginas -  2012
Preço aproximado: R$ 55 a R$ 150 (Estante Virtual)


sexta-feira, 22 de abril de 2016

INFORMAR NÃO É COMUNICAR


 


"A comunicação resulta, na sua forma contemporânea, desta tripla revolução: liberdades humanas, modelos democráticos e progressos tecnológicos. Estamos atualmente numa encruzilhada. Duas ideologias ameaçam a comunicação: o individualismo, ou seja, a redução da comunicação à expressão e à interatividade, e o comunitarismo, isto é, a marginalização da questão da alteridade e a possibilidade do encerramento em espaços virtuais.".




"Neste livro, busco derrubar o estereótipo dominante e mostrar que o verdadeiro desafio está na comunicação, não na informação. É falso pensar que basta informar sempre mais para comunicar, pois a onipresença da informação torna a comunicação ainda mais difícil. Além disso, a revolução da informação produz incerteza na comunicação. O resultado é imprevisível. O problema não é mais somente o da informação, mas antes de tudo o das condições necessárias para que milhões de indivíduos se comuniquem, ou melhor, consigam conviver num mundo onde cada um vê tudo e sabe tudo, mas as incontáveis diferenças - linguísticas, filosóficas, políticas, culturais e religiosas - tornam ainda mais difíceis a comunicação e a tolerância. A informação é a mensagem. A comunicação é a relação, que é muito mais complexa. O desafio é menos de compartilhar o que temos em comum do que aprender a administrar as diferenças que nos separam, tanto no plano individual quanto no coletivo. Portanto, na comunicação, o mais simples tem a ver com as tecnologias e mensagens, enquanto o mais complicado tem a ver com os homens e as sociedades.".

"Qual o desafio deste livro? Repensar a comunicação no momento do triunfo da informação e das tecnologias que a acompanham. [o desafio é] Repensar o estatuto da comunicação sob o signo das três rupturas acontecidas em 50 anos: a vitória da informação; o triunfo das tecnologias, com a integração das telecomunicações, da informática e do audiovisual; e a globalização, que acelera os fenômenos citados antes. Qual o problema? Tirar a informação e a comunicação do império da tecnologia, que acaba por frear a reflexão sobre a comunicação na medida em que a performance das ferramentas apaga ou encobre os fracassos inevitáveis da comunicação humana e social. Pensar a passagem da informação à comunicação significa 'destecnologizar' a comunicação, recolocando a técnica no seu devido lugar.". 


Resenhas sobre o livro



Editora Sulina (96 páginas)
Preço aproximado: R$ 23 - R$ 25

Divulgação
antoniojose@facc.ufrj.br